O metabolismo se dá uma intrincada rede de reações químicas catalisadas (ou não) por enzimas diversas, resultando numa rede equilibrada e dinâmica de processos autocatalíticos. Por vezes essa teia de reações pode ser observada no sem número dos chamados mapas metabólicos disponíveis, impressos ou na internet. Não obstante, os caminhos metabólicos são classificados para melhor compreensão em subconjuntos de reações pertinentes a determinado grupo de nutrientes ou compostos biológicos, como carboidratos, lipídios e ácidos nucleicos, por ex.
E numa visão mais ampliada desses subconjuntos, uma classificação ulterior resulta por diversas em reações bioquímicas sequenciais e interdependentes, as chamadas vias ou rotas metabólicas. Essas vias metabólicas sumarizam processos catabólicos ou anabólicos envolvendo substratos, produtos, enzimas, cofatores e coenzimas, tal como ilustrado na glicólise, gliconeogênese, glicogenólise, ciclo do ácido cítrico, cadeia respiratória, via das pentoses,\(\beta\)-oxidação de ácidos graxos, entre outras.
Dessa forma pode-se considerar uma rota metabólica como uma combinação linear de reações catalisadas enzimaticamente (ex: glicólise anaeróbia). Em adição, também pode-se considerar as reações bioquímicas como equações bioquímicas, e portanto como um sistema linear de equações bioqumímicas com resolução por álgebra linear. Assim, pode-se empregar relações matriciais para solucionar o balanceamento estequiométrico (massa e carga), obtendo-se a reação líquida final a partir de um conjunto de reações conhecidas. Em síntese, equações bioquímicas como equações matriciais[@alberty1991chemical].
Operação matricial
Aplicando-se álgebra linear é possível obter-se o balanceamento final de reações sequenciais pela relação que segue, também vista no capítulo de Biotermodinâmica:
Nesse caso, A representa a matriz estequiométrica de reações e compostos, b o vetor de rota metabólica, e y o vetor da reação líquida balanceado. O vetor de rota indica o número de vezes necessário para cada reação ocorrer, de modo a produzir a reação líquida final. A matriz A é disposta de tal forma a apresentar cada reação em cada coluna, e cada reagente em cada linha, prenchendo-a com os coeficientes estequiométricos de reagentes e produtos. Para esses, é necessário apresentar sinal positivo para produtos (são formados) e negativo para reagentes (são consumidos).
A operação matricial para a obtenção da reação líquida envolve apenas um produto cruzado, tal que:
\[
A * b = y
\tag{2}\]
Obtenção do vetor de rota metabólica para a glicólise aeróbia:
Supondo-se conhecer a reação líquida resumida para um conjunto de reações metabólicas, como a glicólise aeróbia (por sua vez agregando glicólise anaeróbia, ciclo do ácido cítrico e fosforilação oxidativa), pode-se facilmente obter-se o vetor de rotas. A partir desse vetor de rotas calculado, é possível obter-se o a reação líquida final do conjunto reações mais detalhado. Na prática, esse detalhamento envolve a participação de coenzimas de oxi-redução, ADP, ATP, e Pi.
Exemplificando, considere as reações abaixo, referentes à uma síntese da glicólise [@alberty1996calculation]:
\[
glicose \rightleftarrows 2\,piruvato \\
piruvato + CoA \rightleftarrows acetil \, CoA + CO_2
acetil \, CoA + 3 H_2O
\rightleftarrows 2 CO_2+CoA
\frac{1}{2} O_2 \rightleftarrows H_2O
\tag{3}\]
Dessa forma, a solução para o vetor de rotas fica:
\[
b = A^{-1} * y
\tag{7}\]
Ocorre que o sistema linear para o conjunto de equações da via glicolítica é sobrestimado (há mais equações do que incógnitas), não permitindo a solução pela função solve de forma direta, como ilustrada no capítulo de Biotermodinâmica. Nesse caso, o vetor b pode ser obtido por solução de mínimos quadrados:
\[
b = (A^{T}*A)^{-1}*A^T * y
\tag{8}\]
Resolvendo o vetor de rotas no R:
# Solução matricial para o vetor de rotas metabólicasA <-matrix(c(-1, 0, 0, 0, 2, -1, 0, 0, 0, 0, -3, 1, 0, -1, 1, 0, 0, 1,-1, 0, 0, 1, 2, 0, 0, 0, 0, -1/2), nrow =7,byrow =TRUE) # matriz A de estequiometria de reaçõesrownames(A) <-list("glicose", "piruvato", "H2O", "CoA", "acetil CoA" , "CO2", "O2") # etiquetas dos reagentesA # matriz A de reações
y <-c(-1, 0, 6, 0, 0, 6, -6) # vetor y de rotassolve(t(A) %*% A) %*%t(A) %*% y
[,1]
[1,] 1
[2,] 2
[3,] 2
[4,] 12
Obtenção do balanceamento de ATP, ADP, Pi e coenzimas de oxi-redução na glicólise
Com o vetor de rotas obtido ({1,2,2,12}), agora é possível aplicá-lo a um conjunto mais extenso de equações da glicólise, para dessa vez solucionar o balanceamento das reações envolvendo coenzimas de oxi-redução, ATP, ADP, e Pi:
Vale ressaltar uma simplificação pela substituição de GTP e GDP por ATP e ADP (ciclo de Krebs), uma vez que são interconversíveis no metabolismo. Também se assume para simplificação a interconversão de FAD e NAD na reação líquida [@alberty1996calculation] :
De posse das reações presentes na Equação 9 e do vetor de rotas obtido anteriormente, pode-se construir a nova matriz estequiométrica e aplicar a solução de mínimos quadrados (Equação 8) para se obter a reação líquida da glicólise. E para isso basta aplicar a Equação 2) de produto cruzado:
O exemplo acima ilustra o emprego de álgebra matricial para a solução de problemas de balanceamento de reações bioquímicas. Por sua natureza trata-se de método abrangente e de natureza algorítmica (portanto, programável), embora não seja o único. Outras propostas de solução para o balanceamento e conservação de massa e carga englobam a inspeção direta por triagem e erro a partir de regras mnemônicas, o balanceamento por método de meia-equação, e o método de número de oxidação, não discutidos aqui.