Alguma Biotecnologia
Introdução
Vivemos em uma época em que a Biotecnologia, ramo das Ciências que trata da criação ou aperfeiçoamento de processos ou produtos tomando-se emprestado a dinâmica dos seres vivos e seus constituintes celulares, tomou ares revolucionários nos mais diversos campos da engenharia e das ciências biológicas, biomédicas e agrárias.
É virtualmente impossível visualizar com fidedignidade um conjunto significativo dos projetos de pesquisa desenvolvidos nesta área do Conhecimento, uma vez que sua natureza transdisciplinar permite a interação com grupos e líderes dos mais diversos campos.
Detalhes
Não sendo o propósito deste texto abranger a Biotecnologia em suas mais diversas apresentações, buscou-se apenas elencar alguns parcos exemplos de sua relação junto à Bioquímica.
Plantas trangênicas
Por maior que seja o avanço nesta área, existe uma desproporcionalidade desfavorável entre o número de genes transferidos entre as espécies vegetais e o potencial cruzado para essas transformações, decorrente do estágio primevo em que se encontra a biotecnologia nesse campo, além das técnicas empregadas em caráter experimental. A Figura abaixo exemplifica algumas dessas técnicas aplicadas ao isolamento e estudo de proteínas e genes com fins biotecnológicos, em seu hermetismo científico.
O passado da pesquisa transgênica vegetal conta com pouco mais de duas décadas, visto que o primeiro espécime foi obtido em 1983. Em anos um pouco mais adiante, conteudo, mais de 30 mil projetos foram desenvolvidos no globo (anos 2000), com a grande maioria efetivada nos EUA e Canadá, num conjunto de mais de 70 culturas em cerca de 50 países, e totalizando 40 milhões de hectares.
Dos espécimes mais cultivados destacam-se decrescentemente a soja, milho, algodão, canola, batata, abóbora e mamão. Da primeira fase, visando redução nos custos de produção, à segunda fase, visando agregar valores aos produtos finais (nutricional, ambiental e tecnológico), a fitotransgenia busca exercer saídas para o conflito de Maltus da progressão geométrica de consumidores face à aritmético de cultivares.
Diversas estratégias experimentos já permitiriram, dentre inúmeros outros, a produção do tomate longa-vida, da canola com alto teor de laureato normalmente ausente na espécie, da soja com alto teor de pollinsaturados e isoflavonas, do trigo com melhor panificação pela exploração de gluteninas, do milho e a melhoria de disponibilidade de amido por alfa-amilases e redução de micotoxinas, da mandioca e a redução de cianogênicos, e da exploração de propriedades medicinais (antimicrobiana, imunomoduladora) em cultivares convencionais.
Projetos mais ousados em biotecnologia permitiram também a introdução de genes humanos decodificadores da beta-caseína do leite em folhas e tubérculos de batata, e do aumento do teor de beta-caroteno em arroz, espécie consumida por milhões de pessoas ao redor do mundo.
No Brasil é bastante explorada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) genes que modificam a qualidade de um fitoproduto, ou que conferem resistência a fitopatogenias ou herbicidas, sob respaldo da regulamentação que trata das normas para o emprego de engenharia genética na construção, cultivo, manipulaçào, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte no ambiente de organismos geneticamente modificados (lei 8974 de 5 de janeiro de 1995 e Decreto 1752 de 20 de dezembro de 1995).
A regulamentação é controlada pela CTNBio, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a quem compete propor normas e regulamentos relativos às atividades que envolvem OGMs.
Entre as diversas iniciativas da Embrapa neste setor, podem ser exemplificadas a melhoria da qualidade da soja pela redução de enzimas lipoxigenases que conferem ranço e sabor desagradável, o emprego da enzima tanase na redução do tanino e consequente clarificação do suco de caju, o uso de fitase na liberação do fósforo em culturas de milho e farelo de soja, o uso de fosfoenolpiruvato caroxilase e peroxidases como marcadores bioquímicos respectivos da eficiência do uso de nitrogênio e de resistência a fitopatogenias, dentre outras.
A empresa estatal brasileira também tem projetado a liberação consorciada de OGMs no país. Exemplos de tais iniciativas constituem os híbridos e linhagem GA21 de milho (Zea mays) modificados através da introdução do gene mEPSPS referente a enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS), natural do milho, e que confere tolerância ao herbicida Glifosato.
Nesse procedimento, o gene inserido permanece sob controle de promotores específicos (no caso, r-act do gene de actina-1 do arroz), sendo normalmente introduzidos no tecido vegetal pelo método de aceleração de partículas. Outro exemplo desenvolvido pela Embrapa figura a produção de semente genética de cultivares e linhagens de soja Roundup ready, que possuem o gene de tolerância ao Glifosato, ingrediente ativo de herbicida comercializado pela Monsanto do Brasil. Neste caso, os cultivares podem ser derivados de linhagem GTS 40-3-2, que contém um gene isolado de Agrobacterium sp., o qual codifica a enzima EPSPS.
OGMs no Brasil
Desde os anos 1998 tem sido identificados OGMs comercializados no país, através de laboratórios internacionais consorciados. Em 2000 foi catalogada a presença de OGMs em 10 alimentos comercializados, cerca de um quarto dos 42 analisados, curiosamente um montante duas a três vezes maior do que o encontrado em Portugal, França, Bélgica e Itália.
Em 2003 esse número triplicou. Dentre os alimentos mais comumente identificados destacam-se uma cobertura de bacon para saladas (Gourmand do Brasil), um creme de milho verde (Knorr), uma sopa de galinha (Nissin), uma salsicha tipo Viena (Swift), um cereal matinal (Shake Diet, Olvebra), uma formulação não láctea a base de soja para crianças (Prosobee, Bristo-Myers Squibb), uma fórmula infantil de leite de soja para lactentes (Nestogeno, Nestlé), uma batata frita comercial (Pringles, Procter e Gambler), além de produtos enriquecidos de soja (Soy Milke, da Olvebra Industrial, e Supra Soy, da Josapar Participações), em percentuais que variam entre 0,1 a 10 % de OGMs por produto.
Algumas redes de Biotecnologia & Brasil
Anos 2000
Contrariamente à visão estereotipada do cientista de visão precária, pouco amado e hermeticamente isolado nos subterfúgios de um laboratório acadêmico, a pesquisa biotecnológica no país vem alcançando marcos cada vez mais competitivos no panorama internacional. Exemplo disso é número de publicações indexadas brasileiras em periódicos internacionais, 12 mil artigos científicos em 2002, similar a Coréia do Sul, e que coloca o país em 17º lugar no escore mundial. Apesar da distância relativa às grandes potências neste quesito (240 e 68 mil artigos, para EUA e Japão, respectivamente, durante o mesmo período), o Brasil conta com a participação de grandes redes de pesquisa nos mais diversos campos da biotecnologia.
Essas redes de pesquisa são formadas conjuntamente por lideranças institucionais de Universidades, Centros de Pesquisa e Desenvolvimento, Fundações, Governos Estaduais e Federal.
Dentre essas iniciativas destaca-se o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico do Biodiesel, projeto do Ministério de Ciência e Tecnologia e da Casa Civil, e que conta com 8 milhões de reais distribuidos em pouco menos de dez planos de trabalho dispersos no país.
O biodiesel, sucintamente o produto final de reação química específica de óleos vegetais (soja, mamona, algodão, dendê), adicionado a 5 % ao diesel comum, visa substituir parcialmente os gastos com esse último pelo uso de uma fonte renovável, algo em torno de 37 bilhões de litros de diesel por ano, se considerarmos a frota automotiva nacional. O biodiesel não exige modificações no motor, reduz em mais de 46 % a emissão de dióxido de carbono e 68 % de material particulado na atmosfera, além de estar alicerçado nas experiências passadas do programa de incentivo ao uso do álcool de cana-de-açúcar, o Pró-Álcool, da década de 80.
Outro exemplo emblemático da coordenação de redes de pesquisa biotecnológica no país encontra repouso nas redes genômicas, tais como o genoma da cana, de citros, de bananeira, do eucalipto, etc. O projeto Forest, uma iniciativa de um conglomerado de empresas do ramo têxtil e de celulose (Votorantim, Suzano, Duratex, Celulose e Papel, dentre outras), com parceria do Estado de São Paulo, vem objetivando no último biênio o sequenciamento e análise funcional de genes de eucalipto.
Outro exemplo é o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, um programa de 5 milhões de reais aplicados em 23 institutos nacionais de pesquisa, para o estudo de mais de 40 mil genes do café, e com o intuito de se identificar os responsáveis pela qualidade e produtividade do produto responsável no país por 31 milhões de sacas anuais responsáveis por um terço da produção mundial.
O Projeto Genoma Funcional do Boi, relativo a identificação de genes relacionados ao crescimento, qualidade de carne, sanidade e eficiência reprodutiva de gado Nelore, vem colocar em prática a exploração de um produto responsável por 8 % do PIB nacional, com exportações em torno de um bilhão de dólares.
O programa se encontra consorciado a rede genômica ONSA , a mesma que ao início deste milênio brindou os brasileiros com o genoma sequenciado da praga de Xylela fastidiosa, na capa de um dos mais celebrados periódicos científicos internacionais.
Em meados de 2005 o Governo Federal abriu licitação ímpar para a contratação de projetos no total de 13 milhões de reais, sobre o estudo e emprego da tecnologia de células-tronco, células com potencial para se especializar em virtualmente qualquer tipo celular desejado para regeneração ou terapia de tecidos.
Vetado em março de 2004 pela Câmara de Deputados, uma Medida Provisória assinada pelo Presidente da República autorizou, em outubro do mesmo ano, o estudo multidisciplinar de células-tronco no país, corroborado pelo Ministério da Saúde e Comitê Nacional de Pesquisa, assim como já fizera 63 países, com fins estritamente terapêuticos, banindo também eventuais abordagens da clonagem reprodutiva no Brasil.
Essa última, polemizada pelos mais diversos setores da sociedade civil, teve seu interesse despertado pelo nascimento, em julho de 1996, da ovelha Dolly, produzida por uma equipe escocesa, através da técnica de transferência de um núcleo de glândula mamária de uma ovelha adulta para um óvulo enucleado.
A despeito de questões religiosas (a vida definida na ontogenia dos tecidos), militares (criação de clones para fins belicistas), políticas (o ressurgimento de líderes e ideais extintos), e sociais levantadas (redução dos processos de adoção infantil), a clonagem reprodutiva traz em si grande barreira científica. Dolly foi gerada somente após 276 tentativas, e sacrificada em fevereiro de 2003 por apresentar infecção grave pulmonar de origem desconhecida, acompanhada de obesidade e artrite. No Brasil, a ovelha Penta, gerada em 2002, teve destino similar, contudo evoluindo a óbito espontaneamente após um mês de vida.
Diversos animais foram experimentados à clonagem, com insucessos semelhantes, como o gato “copy cat”, ou cópia carbono, um animal vivo a partir de 188 óvulos fecundados, suínos, cães, gado e caprinos, dentre outros. Os problemas advindos da clonagem reprodutiva parecem esbarrar na ignorância quanto à totalidade de interações gênicas plausíveis nos ciclos celulares reprodutivos. Como consequência, uma taxa de sucesso em torno de 1 %, assombrada por problemas de obesidade, redução de telômeros cromossomais, placentas anormais, gigantismo, rejeição imunológica, deficiências musculares e cardíacas, e morte súbita precoce.
Biotecnologia e divisões
Em função de seu largo espectro de aplicações a Biotecnologia tem sido classificada em função de um padrão de cores, tal com descrito abaixo.
- Biotecnologia vermelha. Terapias regenerativas, vacinas e medicamentos, tecidos e órgãos artificiais.
- Biotecnologia verde. Insumos agrícolas, cultivares e eventos climatológicos.
- Biotecnologia branca. Biocombustíveis e energia renovável.
- Biotecnologia amarela. Alimentos, subprodutos e reciclagem de rejeitos.
- Biotecnologia azul. Aquacultura e recursos marinhos.
- Biotecnologia cinza. Biorremediação e recuperação de ecossistemas.
- Biotecnologia dourada. Bioinformática estrutural.
- Biotecnologia marrom. Biodiversidade de organismos resistentes a ambientes extremos.
- Biotecnologia violeta. Propriedade intelectual e biossegurança.
- Biotecnologia laranja. Educação e divulgação científica.
- Biotecnologia preta. Bioterrorismo e armas biológicas.