24  Bioquímica de Frutos e Hortaliças

24.1 Introdução

          As propriedades de textura, cor, paladar, aroma e sabor de frutos e de hortaliças constituem um curioso capítulo do metabolismo vegetal secundário, e que afeta consideravelmente as características nutricionais, degustativas e comerciais destes produtos. De um modo geral, a coloração de tecidos vegetais é devida a um conjunto pequeno de pigmentos lipofílicos, como a clorofila e os carotenóides, e hidrofílicos, como antocianinas e antoxantinas.

      A textura de frutos e hortaliças é devida à atividade enzimática variada sobre fibras de pectinas presentes nesses. O sabor constitui num produto um pouco mais complexo, envolvendo teores distintos desde ácidos orgânicos variados, como o pirúvico e succínico da glicólise e do ciclo de Krebs, até taninos e flavonóides do metabolismo secundário vegetal. O aroma exalado pelos tecidos de verduras, couves, hortaliças folhosas e frutos, por sua vez, advém de teores distintos de compostos voláteis, tais como ésteres, álcoois, aldeídos e hidrocarbonetos.

24.2 Detalhes

24.2.1 Cor

      A pigmentação, fator mais atrativo de frutos e hortaliças ao consumidor, existe sob a forma de clorofila, carotenóides, antocianinas, e antoxantinas. A pigmentação verde comum a folhosas e frutos jovens ocorre pela presença de clorofila. Este pigmento, sob a ação de sistemas oxidantes, clorofilase, ou acúmulo de ácidos orgânicos, vai progressivamente se extinguindo na senescência vegetal, através de reações de oxi-redução entre os átomos de metal do pigmento.

      Carotenóides, por sua vez, conferem a pigmentação amarela e laranja típica de frutos cítricos, mamão e abacaxi, ou de licopenos avermelhados do tomate. Contrariamente aos compostos lipofílicos de clorofila e carotenóides, os demais pigmentos vegetais encontram-se na seiva vacuolar vegetal.

      As antocianinas conferem a coloração vermelha, púrpura ou violetade alguns frutos. A variação de pH tecidual também influi, induzindo uma pigmentação vermelha em meio ácido, amarela em pH neutro, e azul, quando em ambiente alcalino. A coloração azul também é resultante da complexação do pigmento com proteínas e metais. Finalmente, as antoxantinas, típicas de flavonóides, contribuem pouco para a pigmentação vegetal, à excessão de sua oxidação, a qual resulta em compostos escurecidos nos tecidos.

Figura 24.1: Pigmentos do metabolismo vegetal secundário responsáveis pela coloração de flores.

24.2.2 Textura

      A liberação de compostos relacionados ao aroma e sabor também confere características à estrutura dos tecidos, as quais, sob a pressão de língua, dedos, mucosa bucal e lábios, fornece indicações de qualidade ao consumidor. As principais sensações relacionadas à textura incluem dureza, maciez, fibrosidade, suculência, granulosidade, resistência, elasticidade, e qualidade farinácea.

      A mudança destas características está centrada na síntese de pectinas de frutos e hortaliças. As pectinas, homopolissacarídio de ácido galacturônico em ligação \(\alpha\)-1,4, e com grupos carboxílicos esterificados ao metanol, encontram-se no fruto imaturo complexadas ao cálcio, o que lhe confere dureza textural.

      Por atividade enzimática (protopectinase), o cálcio é liberado e a textura sofre mudanças, também acompanhadas por despolimerização (poligalacturonases) e desesterificação (pectinametilesterases). A decomposição de protopectinas, celuloses, hemiceluloses e amido, amaciam as paredes celulares, diminuindo a força coesiva entre as células.

24.2.3 “Flavor” (sabor e aroma)

      A percepção combinada entre doçura, acidez e adstringência é denominada por “flavor”, e está relacionada à produção de substâncias voláteis pelos frutos e hortaliças. O sabor corresponde às sensações gustativas captadas pela língua em diferentes áreas: doce, amargo, salgado e ácido. Em vegetais, estas sensação são um produto do teor de carboidratos solúveis, ácidos orgânicos, e taninos (amargor por adstringência).

      O teor de açúcares aumenta progressivamente com o amadurecimento, através de biossíntese ou degradação de polissacarídios, com teores variando entre 0,5 % (limão) e 60 % (tâmara). Em geral, frutos permeiam 10 % de glicídios, e hortaliças, 2 a 5 %. A sacarose é o principal açúcar de translocação das folhas para os frutos, embora haja sempre teores variáveis presentes de glicose e frutose livres. O armazenamento sob baixas temperaturas de produtos ricos em amido (batata, milho doce, ervilha) altera a relação entre esse e os açúcares solúveis, modificando o sabor.

      A acidez de frutos e hortaliças é devida à presença em teores variados de ácidos orgânicos e compostos fenólicos. Os ácidos orgânicos dissolvidos nos vacúolos vegetais contribuem para a acidez e aroma característico de frutos. Assim, batata, beterraba, folhosas, tomate, abacaxi, cítricos, pera e pêssego, são ricos em ácido cítrico, ao passo que alface, aipo, brócole, cenoura, ameixa, banana, cereja, melão e maçã, em ácido málico. Espinafre é rico em ácido oxálico e cebola e alho, em ácido pirúvico. A acidez permeia 1 a 2 % nos frutos e hortaliças (limão e espinafre, acima de 3 %).

      Os compostos fenólicos possuem um caráter ácido por sua natureza estrutural (radical hidroxila livre ligado a anel de benzeno). Entre os fenólicos vegetais encontram-se o catecol, as leuco-antocianinas, o ácido clorogênico, o ácido quínico e o ácido shiquímico. Compostos que apresentam adstringência, os taninos, são constituidos por ligação de proteínas com os grupos OH fenólicos de polímeros. A adstringência pode ser percebida na degustaçõ do caqui, banana ou maçà ainda verdes.

24.2.4 Aroma

      O aroma define o conjunto de sensações do olfato estimuladas por componentes voláteis. Esses componentes encontram-se nos alimentos em teores inferiores a 100 ppm, e com peso molecular inferior a 250 Da relativos. Os voláteis mais comuns são constituidos por ésteres, álcoois, ácidos, aldeídos, cetonas, hidrocarbonetos, acetais, e lactonas. Assim, a banana madura é rica em eugenol, laranja e limão em limoneno, o morango em acetato de butila, e a pera em benzaldeído.

Figura 24.2: Algumas moléculas da organoléptica vegetal. a – núcleo de antocianina; b – núcleo de antoxantina; c – cinamaldeído; d – carotenóide.

      Os componentes mais abundantes em frutos e hortaliças constituem carboidratos e água. Sob o ponto de vista nutricional, contudo, fazem parte inúmeras vitaminas (carotenóides da cenoura, vitamina C de laranja e acerola, folato de hortaliças), hexoses, pectinas, amido, e sais minerais, como cálcio, fósforo, ferro, potássio e magnésio. O cálcio complexado como oxalato de cálcio do espinafre é pouco assimilável. Cálcio, fósforo e ferro são encontrados nas hortaliças folhosas.

      Cebolas constituem uma boa fonte de fósforo. Os maiores teores de cálcio, fósforo e ferro são encontrados nas hortaliças em, respectivamente, couve comum e quiabo, e couve-flor, e vagem de ervilha e espinafre. Entre os frutos, esta mesma distribuição de minerais é encontrada em figo e laranja, abacate e figo, e caju. Outros componentes podem também estar presentes, como proteínas (1 a 2 %), lipídios (1 %, excessão ao abacate e azeitona, 15-20 %), ésteres, álcoois, flavonóides e glicosídios.