4  Bioquímica do Sangue

4.1 Introdução

      O sangue é um tecido fluido que nutre os demais tecidos. Essa nutrição se dá através do transporte de gases (O2 e CO2), enzimas, hormônios, nutrimentos e catabólitos. O sangue também participa do equilíbrio hidro-eletrolítico e térmico, além de contribuir na defesa do organismo.

4.2 Detalhes

      O sangue contém uma fase acelular denominada plasma, e composta por carboidratos, lipídeos, proteínas, enzimas, metabólitos e produtos de excreção, e outra celular, formada por glóbulos vermelhos (ou hemácias ou eritrócitos) e brancos (leucócitos e plaquetas).

      O plasma se distingue do soro por possuir alguns fatores da cascata de coagulação ausentes no segundo, após a formação do coágulo sanguíneo (fibrinogênio, trombina, por exemplo). A volemia humana é de 5,5 L para homens e 4,8 L para mulheres, podendo constituir a hipovolemia uma consequência de cirurgia, desidratação ou hemorragia.

      A composição sanguínea depende da idade, sexo, alimentação e outros fatores, mas sempre é determinada por substâncias nutritivas e catabólitos (uréia, ácido úrico, creatinina e ácido láctico, por exemplo), como na figura abaixo. Devido à sua composição é utilizado na bioquímica clínica para auxiliar no diagnóstico médico de um grande número de enfermidades. A água constitui 90% do conteúdo plasmático, sendo responsável por controle térmico através da evaporação (pele e pulmões), devido aos seus valores elevados de condutividade térmica e calor específico.

Figura 4.1: Composição celular, hidroeletrolítica e biomolecular do sangue.

      Os solutos inorgânicos do sangue são constituidos por tampões e sais de Na, Ca, Cl, K, P, e Mg. Como há um maior teor de cargas positivas nestes íons, o balanço elétrico é feito por grupos aniônicos de proteínas, produzindo 149 mEq/L para ambos os íons.

      Além dos catabólitos representados na figura, o sangue também possui alguns hormônios esteroidais (androgênios - produção de glóbulos vermelhos, e estrogênios), bem como algumas vitaminas hidrossolúveis, como a B6 (piridoxina) utilizada na síntese do grupo heme da hemoglobina, vitamina C para a captação de Fe, vitaminas B12 (cobalamina) e ácido fólico, para a síntese de metionina e DNA. As proteínas sanguíneas podem ser fracionadas por eletroforese em 5 bandas principais, a saber:

      A albumina (60%, transporte de substâncias, reserva de aminoácidos, pressão coloidosmótica intravascular, controle de pH), \(\alpha\)\(_{1}\) (4%, lipoproteínas, glicoproteínas, fator anti-tripsina), \(\alpha\)$_{1}$2 (8%, proteínas de transporte, como ceruloplamina - Cu, haptoglobina - hemoglobina livre, transferrina e ferritina - Fe), \(\beta\) (12%, outras lipoproteínas), e \(\gamma\) (16%, imunoglobulinas, IgG - 80% dos anticorpos circulantes, IgM, IgA, IgD, e IgE). As quatro últimas frações correspondem ao grupo G (globulinas). Dependendo do perfil eletroforético destas bandas, é possível o diagnóstico médico de um bom número de doenças.

      O sangue possui a capacidade de conter eventos hemorrágicos através da cascata de coagulação sanguínea, processo dependente de vitamina K. A coagulação envolve vasos sanguíneos, plaquetas, e 12 fatores pró-coagulantes do plasma, 11 dos quais constituidos por serino proteases em estado inativo:

      I - fibrinogênio, II - protrombina, III - tromboplastina, IV - cálcio, V - proacelerina, VII - proconvertina, VIII - fator anti-hemolítico, IX - Christmas, X - Stuart-Power, XI - PTA ou antecendente tromboplástico do plasma, XII - fator de Hageman, XIII - estabilizador de fibrina).

      Em poucas palavras, a coagulação se inicia por contato do sangue com uma superfície estranha, como colágeno exposto à uma lesão ou vidro (via intrínseca, fator XII), ou por atividade da tromboplastina (via extrínseca, fator III). Em ambas as situações ocorre conversão de protrombina (zimógeno) em trombina, a qual ativa o fibrinogênio para formar fibrina, produzindo o coágulo estável (tampão hemostático definitivo).

      A via extrínseca opera através de vasoconstrição reflexa induzida por uma lesão, promovendo agregação plaquetária (pelo colágeno exposto), formação do trombo branco (tampão primário), e liberação de fosfolipídeos, esses últimos também indutores da formação da fibrina. O coágulo é desfeito durante a reconstituição do vaso sanguíneo (fibrinólise), por atuação da plasmina convertida a partir de plasminogênio ativado.

     Problemas de coagulação sanguínea podem ocorrer na megadosagem de aspirina (inibição plaquetária, como formação de equimoses), hemofilias (deficiência do fator VIII ou IX), hepatopatias ou deficiência de vitamina K (coenzima de alguns fatores de coagulação). Os elementos celulares do sangue são constituidos pelas hemácias e pelos glóbulos brancos.

      As hemácias são produzidas a partir de eritroblastos originados de células tronco (“stem cells”) da medula óssea. O processo dura 6 dias, envolve a participação de vitaminas B6, B12, folato, de eritropoetina e Fe, com consequente formação de eritrócitos apresentando 90 a 120 dias de viabilidade celular (5 milhões para homens, 4,7 milhões para mulheres). As hemácias são constituidas por água (66%), enzimas, carboidratos, lipídeos e proteínas (90% hemoglobina).

      O anel porfirínico da hemoglobina (grupo heme) é sintetizado a partir do metabolismo de glicina e succinil CoA. Sua degradação envolve uma série de etapas para a produção de bilirrubina (sangue), urobilinogênio (urina) e estercobilina (fezes), pigmentos biliares de valor diagnóstico. Além das hemácias, o sangue apresenta glóbulos brancos e plaquetas. Os glóbulos brancos do sangue são formados por:

      Linfócitos (imunidade celular e humoral), monócitos (e macrófagos, inflamação e imunidade), e granulócitos (fagocitose - neutrófilos, eosinófilos e basófilos). Finalmente, as plaquetas, elementos discóides anucleados de viabilidade semanal, são derivados da fragmentação celular de céluas medulares (megacariócito), respondendo à inflamação e ao trauma, por adesão a vasos sanguíneos danificados.