7 Lipídios
Para este capítulo algumas das estruturas não estão disponíveis no banco de dados que renderiza as estruturas tridimensionais, a partir do sítio Cactus, fonte de modelos do JSmol pelo portal do Stolaff College. Entretanto, essas estruturas serão disponibilizadas como imagens PNG passíveis de renderização pelo Jmol/JSmol.
7.1 Ácidos graxos e derivados
Lipídios podem apresentar-se basicamente em dois tipos: como hidrocarbonetos formados por conjugação de etilenos para derivados carboxílicos de hidrocarbonetos (derivados de acetatos), ou por esteroides, estruturas de quatro aneis hidrófobos fundidos e derivados de isoprenos. O ácido palmítico exemplifica o primeiro tipo. Todo ácido graxo é formado por uma “cauda” de hidrocarboneto ou cadeia alquila, e uma “cabeça” de ácido carboxílico. O carbono do grupo carboxílico é numerado como C1 ou carbono \(\alpha\), e o último carbono da cadeia, como carbono \(\omega\). Por apresentar um valor de pKa em torno de 4,8 a 7,7 (proporcional ao tamanho da cadeia carbônica) os ácidos graxos tendem a apresentar-se parcialmente ionizados em solução fisiológica.
7.1.1 Insaturação e nomenclatura de ácidos graxos
Ácidos graxos podem diferir em tamanho (número de carbonos) e grau de insaturação. O ácido palmítico representa um ácido graxo com ligações saturadas, o que lhe classifica com um ácido graxo saturado. A inserção de uma ligação dupla limita a flexibilidade da cadeia alquila nessa região, e promove uma alteração conformacional que reduz sua capacidade de adesão entre moléculas. Dessa forma exemplifica-se o ácido oleico, um ácido graxo insaturado de 18 carbonos (C-18).
A área ocupada por um ácido graxo insaturado também é maior, 32 Å\(^{2}\) para o ácido oleico, enquanto o ácido esteárico, também um C-18 , embora saturado, apresenta 21 Å\(^{2}\). Cada dupla ligação inserida na estrutura de um ácido graxo altera sua conformação local, como exemplificado para o ácido linolênico, com três duplas ligações em sua estrutura.
As insaturações também dão origem a dois isômeros configuracionais, cis e trans, dependentes do posicionamento dos átomos de hidrogênios, se opostos na dupla ligação (trans) ou próximos e ao mesmo lado desta (cis). Assim, ácidos graxos cis exibem a ligação dos hidrogênios HC=CH na mesma direção (ácido linolênico, C18, ácido linolênico), ao passo que ácidos graxos trans o fazem em direções contrárias. Daí o nome gordura trans presente em produtos industrializados e utraprocessdos, e relacionada à disfunções clínicas, como aterosclerose e complicações cardíacas.
Por possuir a primeira dupla ligação no 3o. carbono contado a partir do último carbono da cadeia (carbono \(\omega\)), o ácido linolênico também é denominado por \(\omega\)-3. Essa nomenclatura permite diferenciar o ácido \(\alpha\)-linolênico, um \(\omega\)-3, do \(\gamma\)-linolênico, um \(\omega\)-6. E por essa nomenclatura, o ácido oleico é considerado um ácido graxo da série \(\omega\)-9.
Existem dois ácidos tidos como ácidos graxos essenciais, ou seja, que necessitam ingestão uma vez que não são produzidos em mamíferos, um \(\omega\)-3, ácido linolênico, e um \(\omega\)-6, ácido linoleico..
Uma nomenclatura mais técnica, e que evita sinonímias estruturais, é a que define a posição de cada dupla ligação na estrutura. Dessa forma o ácido linolênico é denominado por 18:3\(^{\Delta~ 9,12,15}\), enquanto que o ácido linoleico exibe o código 18:2\(^{\Delta~ 9,12}\).
7.1.2 Reações químicas de ácidos graxos
Ácidos graxos podem sofrer três transformações principais: rancificação, hidrogenação e saponificação. A rancificação decorre da ação do oxigênio molecular, temperatura elevada e/ou de microorganismos sobre as insaturações, promovendo clivagem do ácido graxo e liberação de derivados graxos de baixo peso molecular, por vezes voláteis, e com odor desagradável. Já a hidrogenação* envolve um processo industrial sobre as ligações insaturadas, tornando-as saturadas.
A saponificação, por sua vez, ocorre quando um álcali forte, como NaOH ou KOH interage com uma estrutura mais complexa de ácidos graxos, os triglicerídios, triglicérides ou, mais apropriadamente, triacilglicerois. Esses são formados por uma ligação éster a cada um dos três ácidos graxos ao álcool glicerol, como exemplificado para a trimiristina. Em suma, a saponificação produz estrutruras anfipáticas polares na extremidade de interação do carboxilato com íons sódio ou potássio, o que permite sua interação com água, ao mesmo tempo que as caudas apolares permitem interação com estruturas lipídicas, promovendo uma redução da tensão superficial da água em torno da molécula-alvo e, mais grosseiramente, a limpeza de gorduras.
Dessa forma, na saponificação, a hidrólise alcalina do triglicerídio libera o glicerol e forma uma mistura de sais de ácidos graxos livres com seus carboxilatos ionizados em interação com o cátion do álcali (Na\(^{+}\) ou K\(^{+}\)).
7.1.3 Outros derivados
Outras estruturas derivadas de ácidos graxos incluem os fosfolipídios, esfingolipídios e glicolipídios. Desses, os fosfolipídios são mais comuns e presentes na estrutura de biomembranas, como a lecitina. A lecitina é na verdade um composto lipídico amarelado, formado por misturas de fosfatidilcolina, fosfatidilserina, fosfatidiletanolamina, ác. fosfatídico e fosfatidilinositol, um derivado do inositol. Mas a lecitina também pode considerar-se isoladamente como uma molécula de 1-hexadecanoil-2-(9Z,12Z-octadecadienoil)-sn-glicero-3-fosfocolina, uma fosfatidilcolina. A colina, 2-hidroxietil-trimetilamônio, aparece como a estrutura aminada ligada ao grupo fosfato.
Esfingolipídios, fosfolipídios encontrados com frequência em membranas celulares, como a bainha de mielina de axônios, possuem uma estrutura de ancoramento a ácidos graxos distinto do glicerol, a esfingosina(D-eritro-esfingosina). Um exemplo é a esfingomielina, usualmente formado por fosfocolina e ceramida ou fosfatidiletanolamina. Não obstante, há referências também para uma estrutura única da esfingomielina.
A ceramida também é encontrada na casca de frutas como a maçã, no cerume de ouvido, e na produção do mel. Ceramidas inibem a evaporação de água além de atuar fisiologicamente na regulação celular.
Por fim, glicolipídios constituem lipídios com uma ligação covalente a um monossacarídio, como o cerebrosídio, mantém a estabilidade estrutural da membrana e facilitam o reconhecimento celular.
7.2 Associação de ácidos graxos
Lipídios, tais como ácidos graxos, fosfolipídios ou esfingolipídios, podem sofrer auto-associação em solventes aquosos (sangue, por exemplo), levando à formação de estruturas como lipossomos, micelas, e membranas biológicas. Observe que em todas essas associações a água mantém sua interação com a face polar da estrutura, como exemplificado nas Figuras~\(\ref{micela2}\) e ~\(\ref{membr}\). Em micelas reversas, por outro lado, ocorre o contrário, quando em contato com solvente. Já a membrana biológica como bicamada lipídica contendo fosfolipídios, também apresenta colesterol entre as cadeias alifáticas de fosfo e esfingolipídios, o que permite reduzir o efeito de paracristalinidade com a temperatura, bem como um extenso conjunto de proteínas integrais e periféricas, informações essas não disponíveis no modelo estrutural.
7.3 Derivados vitamínicos e da homeostasia inflamatória
7.3.1 Vitaminas lipossolúveis
A partir de cadeias alifáticas de 20 carbonos diversos compostos são produzidos, gerando um grupo denominado eicosanóides eicoso, do grego, vinte). Desse grupo, algumas vitaminas são tomadas por exemplos, tais como o retinol ou vitamina A, e o tocoferol ou vitamina E.
7.3.2 Mediadores da inflamação
De mesmo modo, compostos do equilíbrio da inflamação também são sintetizados a partir de precursores lipídicos, em especial do ácido araquidônico, tais como prostaglandinas, leucotrienos, e tromboxanos.
7.4 Esteróides
O segundo grande conjunto de lipídios deriva da ligação sobreposta de isoprenos, estruturas de 5C e que formam uma molécula esteroidal denominada colesterol. Quimicamente o colesterol é um álcool formado a partir da fusão de quatro aneis formados por isoprenoides, produzindo um anel de peridrociclofenantreno. Quando em alto teor, o colesterol pode originar cristais de colesterol por efeito hidrofóbico entre suas moléculas, excluindo o solvente aquoso.
7.4.1 Derivados do colesterol
A partir do colesterol são biossintetizadas diversas estruturas esteroidais que incluem hormônios sexuais como testosterona (ou 17-hidroxi-androst-4-en-3-ona, um C21), progesterona, e estradiol. Também são produzidos mineralocorticoides, tais como a aldosterona (também conhecido por 11,21-dihidroxi-3,20-dioxo-pregn-4-en-18-al, um C21, para controle de sódio sanguíneo), cortisol (quimicamente, 11,17,21-trihidroxipregn-4-eno-3,20-diona, ativo no catabolismo celular), vitaminas lipossolúveis como a vitamina D (calciferol ou 7-dehidrocolecalciferol, regulação do cálcio) e a vitamina K (ou filoquinona, presente na coagulação sanguínea), e ácidos biliares (emulsificantes lipídicos), como o ácido cólico, ácido deoxicólico, e o ácido taurocólico, esse derivado da taurina.